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Você Sabia Que O Dinheiro Não Tem Cheiro?

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  • Categoria do post:Curiosidades
  • Última modificação do post:27 de agosto de 2024

Introdução

O princípio non olet, que literalmente significa ‘dinheiro não tem cheiro’, vem da Roma Antiga e reflete a ideia de que o dinheiro, independentemente de sua origem, deve ser tratado de forma neutra quando se trata de impostos.


Da Origem Histórica

O princípio non olet tem suas raízes na Roma Antiga, durante o reinado do Imperador Vespasiano (69-79 d.C.). A história por trás desse princípio é uma resposta direta a uma necessidade fiscal específica da época: a geração de receita para o Império Romano. Diante da necessidade de aumentar a arrecadação, Vespasiano implementou um imposto sobre o uso dos banheiros públicos, uma medida que era vista como controversa.

Conta a história que Tito, filho de Vespasiano, criticou seu pai por cobrar tributos de uma atividade considerada indigna, incidente sobre o uso dos banheiros públicos. Em resposta, o imperador teria pego uma moeda e perguntado a seu filho se ela tinha cheiro, ao que Tito respondeu que não. Vespasiano então afirmou: pecunia non olet (o dinheiro não cheira), insinuando que o valor do dinheiro não é afetado pela sua origem, mesmo que provenha de fontes consideradas impuras.[1]

Este episódio não só consolidou a ideia de que o Estado não deve discriminar a origem do dinheiro ao coletar impostos, mas também lançou as bases para o entendimento moderno de neutralidade fiscal. A expressão non olet evoluiu para simbolizar a ideia de que o valor de um tributo está na sua capacidade de contribuir para o bem público, independentemente da origem dos recursos que o geram.

Ao longo dos séculos, esse princípio foi reinterpretado e adaptado, mas sua essência permanece relevante nos sistemas tributários contemporâneos. Ele reflete a ideia de que a justiça fiscal deve ser cega quanto à fonte da renda, tratando igualmente todas as formas de rendimento, sejam elas oriundas de atividades lícitas ou ilícitas. Na atualidade, isso se manifesta em decisões judiciais e na legislação que afirmam a obrigatoriedade de tributar rendimentos de qualquer natureza, sustentando a equidade no sistema tributário.


Aplicações Contemporâneas do Princípio

O princípio non olet, que afirma que o dinheiro não carrega o “cheiro” de sua origem, continua a ser um fundamento importante no direito tributário contemporâneo. Sua aplicação moderna reflete o compromisso com a neutralidade fiscal, assegurando que todas as fontes de renda, independentemente de sua origem, sejam tratadas de maneira equitativa pelo sistema tributário.

1. Tributação de Rendimentos de Atividades Ilícitas

Uma das aplicações mais significativas do princípio non olet atualmente é a tributação de rendimentos provenientes de atividades ilícitas. Essa interpretação assegura que não haja discriminação fiscal, de modo que os rendimentos de qualquer origem, sejam de um trabalho legítimo ou de uma atividade criminosa, devem ser declarados e tributados.

Por exemplo, em casos envolvendo rendimentos obtidos através do tráfico de drogas ou contravenções como o jogo do bicho, as autoridades fiscais têm o direito de cobrar impostos sobre esses valores. Isso foi reafirmado no julgamento do Habeas Corpus nº 9240 pelo STF, que deixou claro que o fato gerador do tributo não depende da legalidade ou moralidade da origem do rendimento, mas apenas de sua existência.

2. Equidade na Tributação

Outro aspecto onde o princípio non olet se manifesta é na proibição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontram em situações equivalentes, conforme previsto na Constituição Federal (art. 150, inc. II). Esse princípio garante que não haja distinção de tratamento fiscal com base na natureza da ocupação ou profissão do contribuinte. Assim, seja um médico, advogado, ou mesmo um trabalhador envolvido em uma atividade menos convencional, todos devem ser tributados de forma igualitária.

Conforme Ricardo Lobo Torres, o entendimento atual é que, mesmo se um cidadão engaja em atividades ilícitas que geram lucro consistente, ele deve pagar tributos sobre esses lucros. Isso assegura que não haja tratamento preferencial em comparação àqueles que pagam impostos sobre rendimentos de fontes legítimas, como trabalho honesto ou propriedade legítima.[2]

Essa aplicação prática do princípio evita a discriminação fiscal e promove a justiça tributária, ao garantir que o sistema tributário não favoreça nem prejudique contribuintes com base em juízos de valor sobre a atividade econômica que exercem.

3. Casos Judiciais e Precedentes

O princípio non olet tem sido reiterado em diversos precedentes judiciais, tanto no Brasil quanto em outros países. Um exemplo significativo é o julgamento pelo STF, onde a Corte decidiu que a renda proveniente de atividades ilícitas poderia ser tributada, reafirmando o caráter neutro do sistema fiscal quanto à origem dos rendimentos.

Atualmente, é consenso que rendimentos oriundos de atividades ilícitas estão sujeitos à tributação. Este entendimento é reforçado pelo julgamento do Habeas Corpus nº 9240 pelo Supremo Tribunal Federal, que esclarece a aplicação desse princípio.

EMENTA Habeas corpus. Penal. Processual penal. Crime contra a ordem tributária. Artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90. Desclassificação para tipo previsto no art. 2º, inciso I, da indigitada lei. Questão não analisada pelo Superior Tribunal de Justiça. Supressão de instância. Inadmissibilidade. Precedentes. Alegada atipicidade da conduta baseada na circunstância de que os valores movimentados nas contas bancárias do paciente seriam provenientes de contravenção penal. Artigo 58 do Decreto-Lei nº 6.259/44 – Jogo do Bicho. Possibilidade jurídica de tributação sobre valores oriundos de prática ou atividade ilícita. Princípio do Direito Tributário do non olet. Precedente. Ordem parcialmente conhecida e denegada. 1. A pretendida desclassificação do tipo previsto no art. 1º, inciso I, para art. 2º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 não foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça. Com efeito sua análise neste ensejo configuraria, na linha de precedentes, verdadeira supressão de instância, o que não se admite. 2. A jurisprudência da Corte, à luz do art. 118 do Código Tributário Nacional, assentou entendimento de ser possível a tributação de renda obtida em razão de atividade ilícita, visto que a definição legal do fato gerador é interpretada com abstração da validade jurídica do ato efetivamente praticado, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos. Princípio do non olet. Vide o HC nº 77.530/RS, Primeira Turma, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 18/9/98. 3. Ordem parcialmente conhecida e denegada.

(HC 94240, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 23-08-2011, DJe-196 DIVULG 11-10-2011 PUBLIC 13-10-2011 EMENT VOL-02606-01 PP-00026 RT v. 101, n. 917, 2012, p. 584-597 RTJ VOL-00227-01 PP-00532)

E em vários países ocorre a mesma aplicação do princípio non olet.

Um caso famoso nos Estados Unidos que chamou a atenção foi de Al Capone. Conta-se que o gangster se vangloriava de não pagar impostos, “They can`t collect legal taxes from ilegal money”, traduzindo “eles não podem coletar impostos legais de dinheiro ilegal”, mas foi condenado a 11 anos de prisão por não apresentar as declarações fiscais e devido a situação, o agente do IRS Frank Wilson e os “T-Men” seguiram o dinheiro e mostraram que Capone havia recebido milhões de dólares de renda nunca tributada.

No famoso caso, além de condenado em 17 de outubro de 1931, Capone foi multado em US $ 50.000,00 e condenado a pagar impostos de U$ 215.000.[3]


Conclusão

A aplicação do princípio non olet no direito tributário moderno reflete a complexidade e a abrangência da justiça fiscal. Ao assegurar que todos os rendimentos sejam tributados de forma igualitária, sem consideração de sua origem, o princípio desempenha um papel fundamental na manutenção de um sistema tributário justo e eficiente. Ao mesmo tempo, continua a provocar reflexões sobre os limites da neutralidade fiscal e as implicações éticas da tributação em uma sociedade em constante evolução.


Referencias Bibliográficas

[1] Essa expressão é atribuída ao historiador Suetônio, na obra “De vita Caesarum” (A Vida dos Césares), mais especificamente no livro VIII, capítulo 23, parágrafo 3.

[2] Torres. Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional, financeiro e tributário – v. 2, Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 372.  

[3] Capone v. United States. 51 F.2d 609 (7th Cir. 1931). Disponível em: https://law.justia.com/cases/federal/appellate-courts/F2/51/609/1489179/